quarta-feira, 27 de abril de 2011

manoel de barros - sobre sucata

Manoel de Barros

Sobre Sucatas


Isto porque a gente foi criado em lugar onde não tinha brinquedo fabricado. Isto porque a gente havia que fabricar os nossos brinquedos: eram boizinhos de osso, bolas de meia, automóveis de lata. Também a gente fazia de conta que sapo é boi de cela e viajava de sapo. Outra era ouvir nas conchas as origens do mundo. Estranhei muito quando, mais tarde, precisei de morar na cidade. Na cidade, um dia, contei para minha mãe que vira na Praça um homem montado no cavalo de pedra a mostrar uma faca comprida para o alto. Minha mãe corrigiu que não era uma faca, era uma espada. E que o homem era um herói da nossa história. Claro que eu não tinha educação da cidade para saber que herói era um homem sentado num cavalo de pedra. Eles eram pessoas antigas da história que algum dia defenderam a Pátria. Para mim aqueles homens em cima da pedra eram sucata. Seriam sucata da história. Porque eu achava que uma vez no vento esses homens seriam como trastes, como qualquer pedaço de camisa nos ventos. O mundo era um pedaço complicado para o menino que viera da roça. Não vi nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi que tudo que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel. Só o que não vira sucata é ave, árvore, rã, pedra. Até nave espacial vira sucata.
Agora eu penso uma garça branca de brejo ser mais linda que uma nave espacial. Peço desculpas por cometer essa verdade.

terça-feira, 26 de abril de 2011

jane jacobs - morte e vida das grandes cidades

Jane Jacobs
Morte e Vida das Grandes Cidades (trecho)

As crianças da cidade precisam de uma boa quantidade de locais onde possam brincar e aprender. Precisam, entre outras coisas, de oportunidades para praticar todo o tipo de esportes e exercitar a destreza física - e oportunidades mais acessíveis do que aquelas  de que desfrutam na maior parte dos casos. Ao mesmo tempo, no entanto, precisam de um local perto de casa, sem um fim específico, onde possam brincar, movimentar-se e adquirir noções do mundo.
É essa espécie de recreação informal que as calçadas propiciam, e as calçadas movimentadas da cidade tem ótimas condições de fazê-lo. Quando se transfere esse divertimento quase caseiro para playgrounds e parques, ele não só é garantido com um certo risco como há também um esbanjamento de funcionários contratados, equipamentos e espaços que poderiam ser mais bem empregados (...)
É uma enorme leviandade desprezar a presença normal de adultos em calçadas cheias de vida e, ao contrário, apostar (idealisticamente) na contratação de substitutos para ela. É uma leviandade não só do ponto de vista social como também econômico, porque as cidades sofrem de uma escassez drástica de dinheiro e de pessoal para utilizar o espaço de maneira mais interessante que com playgrounds – e de dinheiro e pessoal para outros aspectos da vida das crianças (...)
Os urbanistas parecem não perceber quão grande é a quantidade de adultos necessária para cuidar de crianças brincando. Parecem também não entender que espaço e equipamentos não cuidam de crianças. Esses podem ser complementos úteis, mas só pessoas cuidam de crianças (...)
É uma insanidade urbanizar cidades de modo a desperdiçar esse potencial humano de cuidar das crianças e deixar incompleta essa tarefa essencial – com consequências terríveis – ou obrigar a contratação de substitutos. O mito de que os playgrounds e os gramados e os guardas ou supervisores contratados são inerentemente benéficos para as crianças, enquanto as vias públicas, cheias de pessoas comuns, são inerentemente nocivas, revela um profundo desdém pelas pessoas comuns.
Na prática, é só com os adultos das calçadas que as crianças aprendem – se é que chegam a aprender – o princípio fundamental de uma vida urbana próspera: as pessoas devem assumir um pouquinho de responsabilidade pública sobre as outras, mesmo que não tenham relações com elas. Trata-se de uma lição que ninguém aprende por lhe ensinarem. Aprende-se a partir da experiência de outras pessoas sem laços de parentesco ou de amizade íntima ou responsabilidade formal para com você, que assumem um pouquinho da responsabilidade por você (...)
Algumas calçadas são sem dúvida ruins para a criação de crianças. São ruins para qualquer pessoa. Nesses lugares precisamos promover as virtudes e as instalações que propiciam segurança, vitalidade e estabilidade das ruas. Trata-se de um problema complexo e fundamental no planejamento urbano. Em bairros com tais deficiências, enxotar as crianças para parques ou playgrounds é, além de improdutivo, uma solução ainda pior para os problemas das ruas e para as crianças.
A idéia de se livrar das ruas, desde que isso seja possível, e depreciar e menosprezar sua função social e econômica na vida urbana é uma das mais nocivas e destrutivas do planejamento urbano ortodoxo. É o máximo de ironia que ela seja posta em prática com tanta freqüência em nome de fantasias nebulosas sobre a criação de crianças nas cidades.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

maurício tragtemberg - relações de poder na escola

MAURÍCIO TRAGTEMBERG

Relações de poder na escola (fragmento)


A escola se constitui num centro de discriminação, reforçando tendências que existam no “mundo de fora”. O modelo pedagógico instituído permite efetuar vigilância constante. As punições escolares não objetivam acabar ou ‘recuperar’ os infratores. Mas, ‘marcá-los’ com um estigma, diferenciando-os dos ‘normais’, confiando-os a grupos restritos que personificam a desordem, a loucura ou o crime.

Dessa forma a escola se constitui num observatório político, um aparelho que permite o conhecimento e controle perpétuo de sua população através da burocracia escolar, do orientador educacional, do psicólogo educacional, do professor ou até dos próprios alunos (...)

A possibilidade de desvincular saber de poder, no plano escolar, reside na criação de estruturas horizontais onde professores, alunos e funcionários formem uma comunidade real. É um resultado que só pode provir de muitas lutas, de vitórias setoriais, derrotas, também. Mas sem dúvida a autogestão da escola pelos trabalhadores da educação – incluindo os alunos – é a condição de democratização escolar.

Sem escola democrática não há regime democrático; portanto, a democratização da escola é fundamental e urgente, pois ela forma o homem, o futuro cidadão.

sábado, 16 de abril de 2011

walter benjamin - canteiro de obras

Walter Benjamin

Canteiro de Obras


Meditar com pedantismo sobre a produção de objetos - material ilustrado, brinquedos ou livros - que devem servir às crianças é insensato. Desde o Iluminismo isto é uma das mais rançosas especulações dos pedagogos e sua fixação pela psicologia impede-os de perceber que a Terra está repleta dos mais incomparáveis objetos da atenção e da ação das crianças. Objetos dos mais específicos. É que as crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa de maneira visível. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos que se originam da construção, do trabalho no jardim ou em casa, da atividade do alfaiate ou do marceneiro. Neses produtos residuais elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma relação nova e incoerente. Com isso as crianças formam o seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo inserido no grande. Dever-se-ia ter sempre em vista as normas desse pequeno mundo quando se deseja criar premeditadamente para crianças e não se prefere deixar que a própria atividade - com tudo aquilo que é nela requisito e instrumento - encontre por si mesmo o caminho até elas. 

rubem alves - é brincando que se aprende


RUBEM ALVES

É Brincando que se Aprende



O professor Pardal gostava muito do Huguinho, do Zezinho e do Luizinho, e queria fazê-los felizes. Inventou, então, brinquedos que os fariam felizes sempre, brinquedos que davam certo sempre: uma pipa que voava sempre, um pião que rodava sempre e um taco de beisebol que acertava sempre na bola. Os três patinhos ficaram felicíssimos ao receber os presentes e se puseram logo a brincar com seus brinquedos que funcionavam sempre. Mas a alegria durou pouco. Veio logo o enfado. Porque não existe nada mais sem graça que um brinquedo que dá certo sempre. Brinquedo, prá ser brinquedo, tem de ser um desafio. Um brinquedo é um objeto que, olhando para mim, me diz: “Veja se você pode comigo!” O brinquedo me põe à prova. Testa as minhas habilidades. Qual é a graça de armar um quebra cabeças de 24 peças? Pode ser desafio para um criança de 3 anos, mas não para mim. Já um quebra-cabeças de 500 peças é um desafio. Eu quero juntar as suas peças! E, para isso, sou capaz de gastar meus olhos, meu tempo, minha inteligência, meu sono..

Qualquer coisa pode ser um brinquedo. Não é preciso que seja comprado em lojas Na verdade, muitos dos brinquedos que se vendem em lojas não são brinquedos precisamente por não oferecerem desafio algum. Que desafio existe numa boneca que fala quando se aperta a sua barriga? Que desafio existe num carrinho que anda ao se apertar um botão? Como os brinquedos do professor Pardal, eles logo perdem a graça. Mas um cabo de vassoura vira um brinquedo se ele faz um desafio: “Vamos, equilibre-me em sua testa!” Quando eu era menino eu e meus amigos fazíamos competições para saber quem era capaz de equilibrar um cabo de vassoura na testa por mais tempo. O mesmo acontece com um corda no momento em que ela deixa de ser coisa para se amarrar e passa a ser coisa de se pular. Laranjas podem ser brinquedos? Meu pai era um mestre em descascar laranjas sem arrebentar a casca e sem ferir a laranja. Para o meu pai a laranja e o canivete eram brinquedos. Eu olhava para ele e tinha inveja. Assim, tratei de aprender. E ainda hoje, quando vou descascar uma laranja, ela vira brinquedo nas minhas mãos ao me desafiar: “Vamos ver se você é capaz de tirar a minha casca sem me ferir e sem deixar que ela arrebente...”

Para um alpinista o Aconcágua é um brinquedo: é um desafio a ser vencido. Mas um morrinho baixo não é brinquedo porque é muito fácil; não é desafio. Ao escalar o Aconcágua ele está medindo forças com a montanha ameaçadora! E pelo desafio dos picos os alpinistas arriscam as suas vidas, e muitos morrem. Parodiando o Riobaldo: “Brincar é muito perigoso...”

Há brinquedos que são desafios ao corpo, à sua força, habilidade, paciência.. E há brinquedos que são desafios à inteligência. A inteligência gosta de brincar. Brincando ela salta e fica mais inteligente ainda. Brinquedo é tônico para a inteligência. Mas se ela tem de fazer coisas que não são desafio, ela fica preguiçosa e emburrecida. Todo conhecimento científico começa com um desafio: um enigma a ser decifrado! A natureza desafia: “Veja se você me decifra!” E aí os olhos e a inteligência do cientista se põem a trabalhar, para decifrar o enigma. Assim aconteceu com Kepler cuja inteligência brincava com o movimento dos planetas.. Assim aconteceu com Galileu que, ao observar a natureza, tinha a suspeita de que ela falava uma linguagem que ele não entendia. Pôs-se então a observar e a pensar ( ciência se faz com essas duas coisas, olho e cérebro! ) até que decifrar o enigma: a natureza fala a linguagem da matemática! E até hoje os cientistas continuam a brincar o mesmo brinquedo descoberto por Galileu. Aconteceu assim também com um monge chamado Mendel. No seu mosteiro havia uma horta onde cresciam ervilhas. Os outros monges, vendo as ervilhas, pensavam em sopa. Mas Mendel percebeu que elas escondiam um segredo. E ele tanto fez que acabou por descobrir o seu segredo que nos revelou o incrível mundo da genética. E não é esse mesmo jogo que faz a criança que está começando a aprender a ler? Ela olha para as palavras – ervilhas – e tenta decifrar a palavra que elas formam. Tudo é brinquedo!

Congressos de educação: a gente pensa logo em professores, psicólogos, “papers” científicos, filósofos... Estive em um, na Itália, diferente, onde havia muitas crianças. E havia uma oficina em que um “mestre” ensinava às crianças a arte de fazer brinquedos. Um deles era um par de pregos grandes, tortos, entrelaçados que, se a gente for inteligente, consegue separar. Gastei uns bons dez minutos lutando com os pregos, absorvido, inutilmente. De repente me perguntei: “Por que eu assim gastando o meu tempo com um par de pregos?” Eu lutava com os pregos pelo desafio. Eu queria provar que eu podia com eles... Repentinamente percebi que a primeira terefa do professor é, à semelhança dos pregos, entortar a sua “disciplina” ( ô, palavra feia, imprópria para uma escola! ) e para transformá-la num brinquedo que desafie a inteligência do aluno.Pois não é isso que são a matemática, a física, a química, a biologia, a história, o português? Brinquedos, desafios à inteligência. Mas, para isso, é claro, é preciso que o professor saiba brincar e tenha uma cara de criança, ao ensinar. Porque cara feia não combina com brinquedo...

sexta-feira, 15 de abril de 2011

sérgio buarque de holanda - a miragem da alfabetização

SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA

A Miragem da Alfabetização


o têm conta entre nós os pedagogos da prosperidade que, apegando-se a certas soluções onde, na melhor hipótese, se abrigam verdades parciais, transformam-nas em requisito obrigatório e único de todo progresso. É bem característico, para citar um exemplo, o que ocorre com a miragem da alfabetização do povo. Quanta inútil retórica se tem esperdiçado para provar que todos os nossos males ficariam resolvidos de um momento para outro se estivessem amplamente difundidas as escolas primárias e o conhecimento do ABC. Certos simplificadores chegam a sustentar que, se fizéssemos nesse ponto como os Estados Unidos, "em vinte anos o Brasil estaria alfabetizado e assim ascenderia à posição de segunda ou terceira grande potência do mundo"! "Suponhamos por hipótese", diz ainda um deles, "que nos 21 estados do Brasil os governos passados tivessem feito para a atualidade urna população culta e igual aparelhamento escolar, como o que se encontra em cada um dos estados da América do Norte, graças à previsão dos americanos. Nessa hipótese, estaríamos no Brasil com um progresso espantoso em todos os nossos estados. Todos eles estariam cortados de estradas de ferro feitas pela iniciativa particular, todos eles estariam cheios de cidades riquíssimas, cobertos de lavouras opulentas, povoados por uma raça forte, vigorosa e sadia”.

A muitos desses pregoeiros do progresso seria difícil convencer de que a alfabetização em massa não é condição obrigatória nem sequer para o tipo de cultura técnica e capitalista que admiram e cujo modelo mais completo vamos encontrar na América do Norte. E de que, com seus 6 milhões de adultos analfabetos, os Estados Unidos, nesse ponto, comparam-se desfavoravelmente a outros países menos "progressistas". Em urna só comunidade de Middle West, de cerca de 300 mil almas (e uma comunidade, por sinal, que se vangloria de seu apreço às coisas de cultura, a ponto de se considerar uma segunda Boston), é maior o número de crianças que não freqüentam e não se destinam às escolas, afirmava, não há muitos anos, uma autoridade norte-americana em questões de educação, do que em todo o Reich alemão.

Cabe acrescentar que, mesmo independentemente desse ideal de cultura, a simples alfabetização em massa não constitui talvez um beneficio sem-par. Desacompanhada de outros elementos fundamentais da educação, que a completem, é comparável,em certos casos, a uma arma de fogo posta nas mãos de um cego

outras geraes II - 1999

quinta-feira, 14 de abril de 2011

milton santos - os deficientes cívicos

MILTON SANTOS
Os deficientes cívicos

Em tempos de globalização, a discussão sobre os objetivos da educação é fundamental para a definição do modelo de país em que viverão as próximas gerações.

Em cada sociedade, a educação deve ser concebida para atender, ao mesmo tempo, ao interesse social e ao interesse dos indivíduos. É da combinação desses interesses que emergem os seus princípios fundamentais e são estes que devem nortear a elaboração dos conteúdos do ensino, as práticas pedagógicas e a relação da escola com a comunidade e com o mundo.

O interesse social se inspira no papel que a educação deve jogar na manutenção da identidade nacional, na idéia de sucessão das gerações e de continuidade da nação, na vontade de progresso e na preservação da cultura. O interesse individual se revela pela parte que é devida à educação na construção da pessoa, em sua inserção afetiva e intelectual, na sua promoção pelo trabalho, levando o indivíduo a uma realização plena e a um enriquecimento permanente. Juntos, o interesse social e o interesse individual da educação devem também constituir a garantia de que a dinâmica social não será excludente.

Em todos os casos a sociedade será sempre tomada como um referente, e, como ela é sempre um processo e está sempre mudando, o contexto histórico acaba por ser determinante dos conteúdos da educação e da ênfase a atribuir aos seus diversos aspectos, mesmo se os princípios fundamentais permanecem intocados ao longo do tempo. Foi dessa forma que se deu a evolução da idéia e da prática da educação durante os últimos séculos, paralelamente à busca de formas de convivência civilizada, alicerçadas em uma solidariedade social cada vez mais sofisticada.

As modalidades sucessivas da democracia como regime político, social e econômico levaram, no após guerra, à social-democracia. A história da civilização se confundiria com a busca, sempre renovada, e o encontro das formas práticas de atingir aqueles mencionados princípios fundamentais da educação, sempre a partir de uma visão filosófica e abrangente do mundo.

Esse esforço, para o qual contribuíram filósofos, pedagogos e homens de Estado, acaba por erigir como pilares centrais do sistema educacional: o ensino universal (isto é, concebido para atingir a todas as pessoas), igualitário (como garantia de que a educação contribua a eliminar desigualdades), progressista (desencorajando preconceitos e assegurando uma visão de futuro).

Daí, os postulados indispensáveis de um ensino público, gratuito e leigo (esta última palavra sendo usada como sinônimo de ausência de visões particularistas e segmentadas do mundo) e, dessa forma, uma escola apta a formar concomitantemente cidadãos integrais e indivíduos fortes. Aliás, foram essas as bases da educação republicana, na França e em outros países europeus, baseada na noção de solidariedade social exercida coletivamente como um anteparo, social e juridicamente estabelecido, às tentações da barbárie.

A globalização, como agora se manifesta em todas as partes do planeta, funda-se em novos sistemas de referência, em que noções clássicas, como a democracia, a república, a cidadania, a individualidade forte, constituem matéria predileta do marketing político, mas, graças a um jogo de espelhos, apenas comparecem como retórica, enquanto são outros os valores da nova ética, fundada num discurso enganoso, mas avassalador.

Em tais circunstâncias, a idéia de emulação é compulsoriamente substituída pela prática da competitividade, o individualismo como regra de ação erige o egoísmo como comportamento quase obrigatório, e a lei do interesse sem contrapartida moral supõe como corolário a fratura social e o esquecimento da solidariedade.

O mundo do pragmatismo triunfante é o mesmo mundo do "salve-se quem puder", do "vale-tudo", justificados pela busca apressada de resultados cada vez mais autocentrados, por meio de caminhos sempre mais estreitos, levando ao amesquinhamento dos objetivos, por meio da pobreza das metas e da ausência de finalidades. O projeto educacional atualmente em marcha é tributário dessas lógicas perversas. Para isso, sem dúvida, contribuem: a combinação atual entre a violência do dinheiro e a violência da informação, associadas na produção de uma visão embaralhada do mundo; a perplexidade diante do presente e do futuro; um impulso para ações imediatas que dispensam a reflexão, essa cegueira radical que reforça as tendências à aceitação de uma existência instrumentalizada.

É nesse campo de forças e a partir dessa caldo de cultura que se originam as novas propostas para a educação, as quais poderíamos resumir dizendo que resultam da ruptura do equilíbrio, antes existente, entre uma formação para a vida plena, com a busca do saber filosófico, e uma formação para o trabalho, com a busca do saber prático.

Esse equilíbrio, agora rompido, constituía a garantia da renovação das possibilidades de existência de indivíduos fortes e de cidadãos íntegros, ao mesmo tempo em que se preparavam as pessoas para o mercado. Hoje, sob o pretexto de que é preciso formar os estudantes para obter um lugar num mercado de trabalho afunilado, o saber prático tende a ocupar todo o espaço da escola, enquanto o saber filosófico é considerado como residual ou mesmo desnecessário, uma prática que, a médio prazo, ameaça a democracia, a República, a cidadania e a individualidade. Corremos o risco de ver o ensino reduzido a um simples processo de treinamento, a uma instrumentalização das pessoas, a um aprendizado que se exaure precocemente ao sabor das mudanças rápidas e brutais das formas técnicas e organizacionais do trabalho exigidas por uma implacável competitividade.

Daí, a difusão acelerada de propostas que levam a uma profissionalização precoce, à fragmentação da formação e à educação oferecida segundo diferentes níveis de qualidade, situação em que a privatização do processo educativo pode constituir um modelo ideal para assegurar a anulação das conquistas sociais dos últimos séculos. A escola deixará de ser o lugar de formação de verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um celeiro de deficientes cívicos.

É a própria realidade da globalização -tal como praticada atualmente- que está no centro desse debate, porque com ela se impuseram idéias sobre o que deve ser o destino dos povos, mediante definições ideológicas sobre o crescimento da economia, como a chamada competitividade entre os países. As propostas vigentes para a educação são uma consequência, justificando a decisão de adaptá-la para que se torne ainda mais instrumental à aceleração do processo globalitário. O debate deve ser retomado pela raiz, levando a educação a reassumir aqueles princípios fundamentais com que a civilização assegurou a sua evolução nos últimos séculos -os ideais de universalidade, igualdade e progresso-, de modo que ela possa contribuir para a construção de uma globalização mais humana, em vez de aceitarmos que a globalização perversa, tal como agora se verifica, comprometa o processo de formação das novas gerações.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

no meio do redemunho... cordisburgo









comecei a escrever motivado pela saudade do interior de minas; lembranças de cordisburgo que me fizeram escrever sagarana...




















































segunda-feira, 4 de abril de 2011

no meio do redemunho... curvelo














basílica de são geraldo














pça da basílica de são geraldo

































igreja de matriz de santo antônio














pça do forró














central do brasil





domingo, 3 de abril de 2011

morro da garça

no meio do redemunho... morro da garça












os olhos da parede... morro da garça



cenas do morro da garça...


e foi ali, ao pé da cruz do morro da garça, aquele belo como uma palavra, que eu e compadre meu  da serra de coco grande, ouvimos com demais força, sem querença, aquele chorinho risonho, cheio de nomes escritos na madeira: o arrenegado, o cão, o cramulhão, o indivíduo, o galhardo, o pé-de-pato, o sujo, o homem, o tisnado, o coxo, o temba, o azarape, o coisa-ruim, o mafarro, o pé-preto, o canho, o duba-dubá, o rapaz, o tristonho, o não-sei-que-diga, o-que-nunca-se-ri, o sem-gracejos...  os olhos só souberam se espremer em oração: como não ter deus?! com deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possí­vel, o mundo se resolve. mas, se não tem deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. é o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar, é todos contra os acasos. tendo deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo.










deus come escondido, e o diabo sai por toda a parte lambendo o prato






a casa da palavra como espaço-acolhimento


no meio do caminho sempre para chegar a todos os lugares ao mesmo tempo.  qual poesia, linguagem e pensamento:  ponte como casa, nada de sob... por sobre! pés plantados às juntas de dilatação no movimento de não ruir. passagem que reúne enquanto atravesso. me desloco para permanecer no mesmo lugar. meu lar, hoje, frases de paz, carinho.